sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

NEGRAS USAVAM SAIAS PORQUE PRECISAVAM FAZER TRABALHOS BRAÇAIS



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As roupas das negras que povoavam as ruas da Bahia diferiam bastante das usadas pelas senhoras da elite, a começar pelo uso da saia. Naquele tempo, só vestia saia quem precisava fazer trabalhos braçais, como vender fato de boi, peixe ou mingau, para sustentar a família. “Qual a mulher de vestido que ousaria penetrar naquele mundo estranho de um mercado ou de uma feira? Era comum o comentário lastimoso de alguém que, sendo de vestido, adotara a saia para poder trabalhar”, conta Hildegardes Vianna, em A Bahia já foi assim.
Graças ao seu tino comercial e ao talento de serem boas quituteiras, cozinheiras e lavadeiras, muitas dessas mulheres ganharam dinheiro suficiente para comprar as próprias cartas de alforria. Seu uniforme, o traje de crioula, era composto basicamente por uma saia rodada, o camisu, com bordado conhecido como richelieu ou com renda renascença, o torço ou turbante, branco ou colorido, as sandalinhas brancas e o pano-da-costa, podendo em diferentes ocasiões ser acrescido das jóias, como correntões e balangandãs e da bata sobre o camisu. Essa última teria sido imposta pelo governador Manuel Vitorino nos primeiros anos de República, como forma de controlar a exposição os corpos das negras nas ruas.
Carregado nos ombros, o pano-da-costa identificava uma África que, embora geograficamente distante, estava paradoxalmente próxima. “O uso do pano-da-costa estava relacionado com o papel sócio-religioso da mulher dentro do candomblé. Elas também incorporaram em seu traje elementos da cultura que era hegemônica, como as saias com bico de renda, batas e camisus bordado em richelieu”, analisam Juliana Monteiro, Luzia Ferreira e Joseania Freitas no texto As roupas de crioula no século XIX e o traje de beca na contemporaneidade: símbolos de identidade e memória.

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As ganhadeiras alcançariam grandes projeções no comércio de frutas, verduras, peixes, quitutes, tecidos e pequenos utensílios domésticos, conquistando o monopólio da revenda de certos gêneros e deste modo, o controle sobre o preço dos produtos, principalmente a partir da segunda metade do século XIX em Salvador. No entanto, a permanência dessas mulheres nas ruas não era sempre vista com bons olhos pelas autoridades municipais. “Também era sabido que elas se envolviam em alguns casos no contrabando de produtos e auxiliavam o trânsito interno de escravos fugidos ou aquilombados, devido a suas redes de contato e mobilidade dentro do espaço urbano”, contrapõem os estudiosos.
Negra Fulô
Existem quatro exemplares originais do traje de crioula no Museu do Traje e do Têxtil, no Instituto Feminino. A indumentária pertenceu à Florinda Anna do Nascimento, a Negra Fulô. Escrava doméstica, ela viveu na Fazenda do Coronel Joaquim Inácio de Ribeiro dos Santos. Adquiridas por Henriqueta Martins Catharino, as roupas da africana foram doadas ao Museu que expõe, também, o traje original que a Princesa Isabel usava no dia da assinatura da Lei Áurea.
Além da coleção baiana, só há registros de roupas das escravas de ganho no Museu Imperial de Petrópolis. “Dona Henriqueta foi realmente pioneira ao olhar para essa questão. A partir dessa coleção, é possível avaliar hábitos, costumes, toda uma cultura da arte envolvida no vestir”, afirma a museóloga Marijara Queiroz, responsável pelo Museu do Instituto Feminino.
Tão interessante quanto observar de perto a textura, os bordados e o corte dessas roupas é imaginar o porte dessas mulheres que desbravavam o centro de Salvador. “Observei inúmeras vezes a faceirice requintada com que uma preta desce num barco na escada – ou degraus de madeira – quando uma onda assaz forte sacode a embarcação, o medo que ela tem de estragar o vestido, o cuidado com o qual ela ajeita as suas jóias, os gestos estudados que ela usa para arrumar cuidadosamente seu xale, as precauções tomadas que seus sapatos estejam no cais à sua espera”, descreveu o vice-cônsul inglês James Wetherell, em viagem à Bahia no século XIX.

Traje de Beca

Nos dias de festa nas irmandades católicas, as negras do partido-alto caprichavam no figurino, chamado de traje de beca. Preparavam roupas e compravam colares, brincos e pulseiras especiais, as jóias de crioula, para atrair olhares e aplausos nas procissões religiosas. Hoje, as guardiãs desse legado são as senhoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Todos os anos, no mês de agosto, milhares de visitantes de diversas partes do Brasil e do mundo cruzam o recôncavo em busca do legado ancestral dessas mulheres.
Foto de Ricardo Prado
Foto de Ricardo Prado

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